Uma Pequena História da Mixagem

Para começarmos nossa aventura, é bem útil conhecermos como as coisas se desenrolaram até o presente estado da arte. Por exemplo, alguém que está começando em áudio agora pode imaginar que a mixagem de muitos canais sempre fez parte do processo de gravação. O que veremos é que de certa forma até que sim, mas do jeito como fazemos hoje a coisa é bem recente.

mixagem na mesa de som

O Conceito de Mixagem e o Primeiro Mixador

Mixagem, em essência, é o processo de se equilibrar a emissão de várias informações sonoras, de forma a se conseguir um resultado satisfatório. Já se percebe que o conceito é bem amplo. Por exemplo, lá na idade média, durante a apresentação de um coral gregoriano, cabia ao maestro mixar. Ele era o responsável pelo volume relativo de cada monge de forma que o resultado fosse equilibrado.
Mais tarde coube aos compositores e maestros o papel de mixadores. O compositor, quando especificava o número de instrumentos que desejava para executar sua obra e ao maestro, quando durante os ensaios e as performances, controlava o volume de emissão de cada instrumento.

Portanto, não dá pra saber quem foi o primeiro mixador, mas pode-se perceber como o conceito de mixagem é bem mais vasto que equalizar em uma mesa.
Mas precisamos ser obviamente um pouco mais focados no nosso assunto, e então vamos nos restringir à mixagem de música gravada. Mesmo aí, veremos que durante pelo menos os primeiros 50 anos a tecnologia, o que tínhamos era mais ou menos o que vimos acima.

A Era da Gravação Acústica

O áudio gravado se concretiza aproximadamente em 1877, com o Fonógrafo (de Edison) , com mídia cilíndrica, e dez anos depois, com o Gramofone (de Berliner). Este usava como mídia discos de um material chamado “shellac” . O som era captado por um cone que o concentrava e enviava a uma membrana com uma agulha insertada. O som fazia vibrar a agulha e esses movimentos eram então gravados
no disco, que girava a uma rotação de 78 rotações por minuto (rpm). Assim, o ato de mixar era quase como na idade média, com o maestro controlando o volume dos músicos.

Agora, porém, como não havia o compromisso da performance ficar visualmente bonita, podia-se também usar como elemento da mixagem a distância do músico ao cone de captação. Instrumentos com maior volume de emissão ficavam mais longe e os mais discretos ficavam mais perto, com o cantor em primeiro plano.
O aparelho que executava o disco na casa do ouvinte era mais ou menos como o gravador, só que a agulha passava sobre o sulco do disco e fazia a membrana vibrar, e essa vibração era amplificada pelo cone e reproduzida. Tudo mecânico e acústico.

A Era da Gravação Elétrica

A partir do início dos anos 1920 (quase 50 anos depois de Edison), começam a ser usados microfones e amplificadores para levar o som até as agulhas de corte. A coisa era ainda bem complicada e cara, de forma que normalmente se usava apenas um microfone (em terminologia atual, era gravação “em um canal”). E isso ainda perdurou por um bom tempo. Por exemplo, em 1936, quando foram feitas as
antológicas gravações de Robert Johnson em um quarto de hotel no Texas, foi usado apenas um microfone e um gravador colocado no quarto ao lado.
Do lado doméstico, os aparelhos de reprodução ainda eram mecânicos.

A Gravação Magnética

Embora as primeiras experiências com gravação magnética remontem ao fim do século XIX, foi com a Segunda Guerra Mundial que a tecnologia se solidificou.
O serviço secreto alemão desenvolveu o Magnetofone, que gravava em fitas. Assim os discursos de Hitler eram levados a diferentes locais, impossibilitando os aliados identificarem onde ele estava fisicamente. Com o final da guerra, o magnetofone é descoberto por um oficial americano e levado para os EUA, que a partir dele desenvolveu um novo gravador/reprodutor. Curiosamente, um grande cantor da época, Bing Crosby, viu nisso a oportunidade de gravar no conforto de um estúdio sem a necessidade de se deslocar até a rádio para uma apresentação ao vivo. Graças a sua “preguiça” e sua vultuosa contribuição financeira, foi criada a Ampex.

Multitracks

A gravação em fita, depois de alguns anos, começou a permitir o uso de mais de uma pista (no caso, duas). Com isso, no início dos anos 1950 aparecem o LP (rodando a 33 rpm) e a gravação em estéreo.
Muitos dos progressos da gravação multipistas se devem ao guitarrista Les Paul , que após desenvolver a técnica de som-sobre-som (overdubbing), encomendou a primeira máquina que gravava em oito pistas. É possível então considerarmos Les o primeiro “mixador elétrico”, embora o processo se desse ainda durante as gravações. Comercialmente a Ampex lançou gravadores de 3 pitas e posteriormente de 4 pistas.

A Era “Moderna”

A partir de meados da década de 1960 começam a surgir o que podemos chamar de consoles de gravação. Com a escassez de pistas nos gravadores, o ato de mixar se concentrava ainda fortemente durante o processo de gravação. As técnicas de uma captação eficiente com poucas pistas propiciou uma geração de grandes engenheiros de gravação, famosos até hoje por sua criatividade e habilidade. Desta época são clássicos como Pet Sounds, Sargeant Peppers e The Dark Side of The Moon.

Durante a década de 1970 houve uma constante evolução de equipamentos como os gravadores e os consoles, que começavam a dispor de mais canais. Por exemplo, a unidade móvel dos Rolling Stones, que gravou clássicos como o Led Zeppelin IV e o Machine Head (1971) dispunha de dois gravadores de 16 pistas sincronizados.

A seguir gravadores maiores de até 24 canais podiam ser usados sincronizados, propiciando tipicamente 48 pistas. Os consoles ficam progressivamente maiores e então podemos dizer que a mixagem como a conhecemos hoje entra em uso amplo.
Eventualmente os consoles começam a ser automatizados principalmente nos faders, e com a chegada dos computadores, era possível armazenar e repetir as automações, tornando as mixagem mais fáceis de refazer e corrigir.

A Era Digital

Durante os anos 1980 começam a ser usados gravadores profissionais de fita usando tecnologia digital. Um dos primeiros álbuns internacionais de sucesso usando gravadores digitais foi “Security” de Peter Gabriel (1982).
A tecnologia dos consoles e da automação começa a aumentar em complexidade e os recursos disponíveis, pelo menos às produções mais caras, são enormes.

O Grande Cisma

Até mais ou menos 1992, os estúdios eram basicamente montados e bancados pelas gravadoras, porque o equipamento era muito caro e muito raro. As produções “profissionais” envolviam verbas consideráveis. Do lado dos semi-profissionais, existiam os “estúdios pequenos”, que por usarem equipamentos menos caros, acabavam produzindo material que tinha “som de estúdio pequeno”. O salto entre gravar semi- profissionalmente e profissionalmente era enorme.

Até que a Alesis lançou o ADAT. Este gravador de 8 pistas digitais, usando mecanismo de videocassete provocou uma reviravolta no mercado, uma vez que podia ser conectado em paralelo a outras unidades. O som obtido nele já podia ser comparável ao obtido por uma máquina “profissional” de 24 pistas, com uma diferença considerável de preço (3 adats em conjunto custavam por volta de U$ 10.000,00 e uma Sony 3324, US$ 125.000,00 dólares).

Mesmo tendo revolucionado o mercado totalmente, o Adat acabou se mostrando uma tecnologia de transição, porque logo depois a gravação em computador apareceu com mais confiabilidade e capacidade .

Entram em cena as DAW’s

No início dos anos 1990, enquanto os Adat ainda dominavam o mercado de gravação digital e de estúdios de médio e pequeno portes, as Digital Audio Workstations (sistemas de gravação em computador), começam a despontar. De início timidamente, e tendo que vencer uma categoria de usuários ainda pouco confiantes na tecnologia, as DAW acabaram se consolidando pela qualidade sonora e principalmente pela facilidade de edição e de uso.
Podia-se agora mixar dentro do computador, embora o número de canais fosse limitado.
Desta época é o álbum “Stonewall Celebration Concert”, de Renato Russo (1994), que tive a felicidade de gravar, mixar e masterizar. Este álbum é provavelmente o primeiro gravado totalmente em computador no Brasil.

Século XXI

Com a evolução e democratização da gravação e mixagem em computador, os procedimentos de mixagem evoluíram exponencialmente. Por exemplo, antes das DAW, uma coisa com que o engenheiro de mixagem precisava sempre se preocupar era a pouca disponibilidade de equipamento. Os consoles só tinham um equalizador por canal e só os grandes estúdios se davam ao luxo de ter um compressor por canal. Equipamentos offboard, então, eram críticos.

Reverbs, por exemplo, eram adorados como dádivas dos deuses.
Esta “fartura” de plug-ins de hoje pode acabar induzindo o engenheiro ao uso excessivo de processadores, e como veremos ao longo destes textos, é sempre uma boa política se questionar se não existe um jeito mais simples de fazer as coisas.

Gosta dos textos do Fábio Henriques? Então você também vai gostar dos livros:
– Guia de microfonação
– Guia de Mixagem Volume 1Volume 2Volume 3
Saiba mais sobre o autor: www.fabiohenriques.com.br

Confira o curso Compressores Sem Segredos por Fábio Henriques

Acredito que você vá gostar também desse post: Edição de áudio na fita magnética!

Compartilhe:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *