Kesser Jones, o editor de grandes discos! Confira a entrevista completa

O post de hoje será uma entrevista com o grande Editor de Áudio Kesser Jones, que trabalha há muito tempo no mercado musical, tendo feito as edições de grandes nomes da música brasileira como Ivete Sangalo, Zezé di Camargo & Luciano e Leonardo. Kesser nos conta um pouco sobre a sua história e carreira, sobre as competências para o trabalho em estúdio e sobre seu processo criativo. 

Kesser Jones editando uma música

O COMEÇO

Q: Oi Kesser! Tudo bem? Pode dizer pra gente há quanto tempo você trabalha com áudio?

K: Olá Karen! Meu primeiro cachê foi trabalhando com a música, num coro infantil que minha família e amigos faziam no Dias das Crianças. E depois comecei a tocar “profissionalmente” nos anos seguintes. Fiz muito bailes e trabalhei como músico tecladista, diretor musical, midi man (sim, eu sou dessa época) até 1999, e obviamente, com vários outros tipos de trabalho nada a ver com música, pra complementar a renda (informática, autocad).

Em 1999 tive meu primeiro contato realmente profissional com o estúdio, ainda como músico, ajudando um amigo a fazer um disco todo programado no teclado e no Cakewalk. Nessa época, os estúdios pequenos e médios usavam Adat, enquanto que os maiores tinham o Adat pra transcrever esses materiais pré-produzidos em estúdios menores pra fita de 2″.

Então chegou o tal do Pro Tools nos grandes estúdios. E nessa época ninguém aqui no Brasil sabia muita coisa – mas não me entenda mal, é óbvio que existiam pessoas que sabiam ler o manual e fazer o básico que era necessário a ser feito – mas nessa época usávamos hardware separado só pra gerar e ler timecode pra poder sincronizar esses dispositivos. Essa rotina era nova, e como toda rotina nova, um milhão de problemas. E eu sempre tive talento pra lidar com problemas…rs

Nessa época, a edição era com Auto Tune 1 e Pitch ‘n Time, e só depois veio aparecer Melodyne. E edição nessa época era basicamente afinar a voz e Sound Replacer (que eu nunca gostei, salvo raras exceções, como ponta de surdos…rs, mas como editor você executa o que a produção, engenheiro ou artista requerem)

Enfim, vim desse background de músico em que o “VS” era uma programação MIDI e que era dever do tecladista em casa. Não tinha VS… rs. 

TRANSIÇÃO PRO DIGITAL

O fato de eu programar facilitou muito nessa transição. Eu já tinha teclados com saídas Spdif e Adat, então já tinha que saber tratar essa coisa de master/slave no ambiente digital. Isso me ajudou muito nessa época (1999 – 2002). O Pro Tools era um sistema absurdamente caro. Não existia a possibilidade de qualquer editor ter! Então era sempre do estúdio ou a gravadora alugava um sistema pra você operar. Nesse período, eu trabalhei com um amigo falecido, Wanderley Guarino, que trabalhava com César Augusto, um famoso produtor de sertanejo da época.

Eu também sempre gostei muito de ler manuais, então me especializei em deixar Macs de estúdio mais espertinhos pra trabalhar com áudio, e nessa época eu prestava muito serviço no Mosh. Começamos a fazer primeiramente os discos do povo dessa época: Zezé, Leonardo, entre inúmeros outros produzidos pelo César Augusto. 

Fiz isso lá durante 2 anos, e depois voltei à Brasília querendo desistir de trabalhar com música. Por volta de 2001, fui pra Curitiba produzir um show de uma banda de reggae que havia produzido o disco com Wanderley. De lá, Flávio Sena (que anteriormente já tínhamos trabalhado num DVD de Zezé que ele não tinha gostado do resultado final) foi contratado por uma gravadora pra tentar recuperar e fazer o artista mudar de ideia pra ela não perder o investimento que havia feito no DVD. Pra alegria da gravadora, nós conseguimos no final das contas!

MUDANÇAS

Sena me ligou e falou que tinha um projeto pra eu trabalhar, mas que era segredo, que eu só teria a passagem de ida e de volta pra ir até Campinas e se desse tudo certo, a gravadora acertava o cache comigo depois… Nesse projeto eu tive a sorte pq quem estava produzindo o CD era Max Pierre e Ricardo Moreira, Vice-Presidente da Universal Music do Brasil. Ele gostou, deu tudo certo, e a partir daí eu consegui tratar os meus cachês diretamente com quem pagava. E isso foi uma puta evolução na época, porque a grande maioria recebia através de um arregimentador, que era pago pelo produtor, que era pago pela gravadora. 

Bom, ainda morando em Curitiba, pintaram uns projetos pela Universal e eles mandavam passagem pra eu ir até SP ou RJ para executar minha parte do processo. Por isso, o Max pediu pra eu me mudar pro RJ porque a Universal não queria mais arcar com essas despesas de aéreo, transporte e alimentação nesses projetos. Acabei me mudando pra lá e fiquei 2 ou 3 anos no RJ. Depois vim pra Salvador e cá estou desde então!

E aqui em Salvador a lição foi outra. Edição de base foi aqui, pela complexidade da percussão que é usada aqui. Muita nota, muito instrumento. Já editava base lá em SP e no RJ, mas na Bahia era outro bicho, outra liga.

EDIÇÃO

Q: Como saber editar (bem) mudou a sua carreira?

K: Eu sou da época que o editar praticamente não existia. Então, eu e alguns poucos aqui no brasil dessa mesma época, começamos a fazer o rascunho do que seria isso na música brasileira, que é um bicho diferente da música pop americana. Editar bem, como todo e qualquer ofício, exige muita prática, depois disso você tem que encontrar a sua assinatura se você quiser ter um diferencial que contribua mais do que tecnicamente pro projeto, o fato de ser músico me ajudou muito nisso e acabei ganhando algum destaque com isso porque meu diálogo com os produtores, arranjadores e artistas era mais objetivo e o resultado obviamente vinha mais rápido por esse atributo adicional…

Q: Você acredita que saber editar é uma habilidade/função importante para quem deseja trabalhar em algum estúdio?

K: Você tem que saber o que você vai fazer no estúdio. Polivalência é massa, mas acho que tem que ter um foco inicial.  Se é edição ou se vai ser assistente, acredito sempre no velho trabalho de aprender o básico do trabalho de todos que trabalham no estúdio – que hoje são poucos né… (risos). Antigamente tinha engenheiro, assistente, copeira(o), secretária(o), porteiro, telefonista… A lista era imensa! E o assistente teria que desenrolar o básico de qualquer uma dessas sob demanda. Hoje não é assim, pois os estúdios grandes praticamente viraram elefantes brancos. Os estúdios menores funcionam com algum músico da banda de algum artista que financiou aquele estúdio, e os menores ainda, com cada músico na sua casa se virando e fazendo tudo sozinho!

Q: Você acredita que todos que trabalham com estúdio deveriam saber editar pelo menos o básico?

K: Eu acredito que ou você aprende a editar direito ou não encoste. O que eu mais odeio é arrumar gambiarra dos outros. O que acho fundamental todo mundo aprender é lidar com arquivos. Então, nome de track, ordem de track, quem gravou o quê e gerar grupos das coisas que foram gravadas juntas pra você não ter problemas de fase gerados por edição.

Home studio do Kesser Jones

FASE ETC

Q: E já que você falou em fase, como você lida com isso?

K: Depende de quem vai mixar. Eu corrijo bastante fase se é um técnico que eu conheço e não foi ele quem gravou, por exemplo. Se o técnico que gravou me manda fora de fase e é ele quem vai mixar eu não mexo. No máximo penduro um plugin aqui pra inverter, mas é pra mim só. 

Q: E por exemplo, fase do over com bumbo?

K: Não costumo mexer na fase do over, porque aí depende de como o técnico de mixagem vai usar isso. Às vezes ele filtra, às vezes tem mics de amb… Enfim, tudo sempre depende. Quando muito, deixo nos comentários do track o aviso. 

Q: Você conhece a história de editar baixo com bumbo?

K: Uma coisa é uma porrada de final de compasso, ou uma nota longa pra dar aquele impacto. Agora, o cara ficar picando uma semi-colcheia no baixo e eu ficar caçando fase? Nenhuma chance.

Q: Você usa Elastic Audio para editar? Qual a sua opinião a respeito disso?

K: Acho o Elastic Audio maravilhoso pra pré-produção e pra quem trabalha com publicidade, mas pra edição não gosto. Fode com o som de vários instrumentos, principalmente os de percussão daqui da bahia. Muda o som. Como disse antes, acho massa como ferramenta, quando o artista não está seguro ainda do tom, ou do andamento da música. Dai usa pra chegar aonde quer, depois grava valendo e segue.

Q: E pra afinar voz, qual programa você usa? Já chegou a testar outras alternativas?

K: Pra afinar uso Melodyne, que tenho as versões 3 e 4 studio. Prefiro editar na 3 pois na 4 tiraram a possibilidade dos meus atalhos.

EDITAR OU NÃO?

Q: Na sua opinião, a edição acaba com a alma ou groove da música?

K: Acho que a edição revela a melhor possibilidade do arranjo quando é bem feita e ajuda o groove a ter uma constância e uma clareza.  Agora, com relação a edição estragar uma música: uma edição ruim sim, pode matar, mas a edição ruim não depende só do editor não é mesmo? Quem pediu no grid? Tem o produtor, o editor… A pressa e a demanda pelo imediato acabou com a música… quem dirá o groove…

Q: Então você considera que colocar no grid não é o ideal, pois isso estraga a vibe da música?

K: Não, isso é relativo. Se o projeto é meu e essa autonomia for minha eu escolho. Caso contrário, não. Muita gente (num passado não tão distante) que me contratava me chamava exatamente por conta desse meu toque artesanal…rs. Ouvir a música e os instrumentos nela tocados, no caso do groove, os mais percussivos que empurram o groove, e achava uma execução aonde eu tivesse que fazer um pequeno ajuste no geral e usava essa posição relativa pra ajustar os outros instrumentos. Mas não de forma absoluta necessariamente, porque se você grava dois violões é porque você quer o som de dois violões tocando, não adianta quantizar e abrir o pan… Então existe uma flutuação que é orgânica que eu costumo deixar…

Enquanto eu julgar orgânica dentro de uma boa execução, não o ”orgânica” que hoje se usa como preguiça de tocar a porra direito, o FLOW!!! Porra, o flow! Escuta o click, quem está tocando com você e toque sua porra direito. Lembrando que o flow é depois que tudo já está organizado.

TRABALHO MAIS IMPORTANTE

Q: Qual é o projeto que você trabalhou que considera o mais importante até hoje?

K: O projeto mais importante pra mim foi o Madison Square Garden, sem nenhuma sombra de dúvida! Madison….por tudo que aconteceu naquele DVD, tecnicamente foi o maior desafio de quem esteve lá, sendo brasileiro é óbvio.

Eu acho que o mercado de música de entretenimento às vezes quer arrancar um produto que não existe num período curto de tempo. Por esse motivo que o Madison acabou não tendo um resultado comercial tão forte por esse fator.

É muito complicado você pegar um artista tão grande como Ivete e esperar 30 sucessos a cada 2 anos e ainda pra se gravar um DVD em um estádio de futebol… Sendo que ela já tinha feito isso duas vezes: Fonte Nova e Maracanã.

Esses projetos num porte desses são projetos comemorativos, pra celebrar 10 anos, 15 anos, 20 anos… E o entretenimento quer no tempo do entretenimento, ou seja, se naquele período curto você não tiver gravado 30 sucessos, você não terá um repertório popular pra fazer o DVD. Você pode ter 30 músicas inéditas hoje e fazer um DVD pipocado sem ninguem nunca ter ouvido as músicas, porque o engajamento dos fã clubes é completamente diferente hoje. Naquela época era tudo na base do orgânico, digo, essa circunstância específica do evento “gravação de DVD”. As plataformas todas já existiam, mas não eram como são hoje. Enfim, foi o Madison… 

PROJETOS

Q: No que você tem trabalhado atualmente? Ainda editando muito, ou está produzindo mais… mixando mais?

K: Geralmente pego os projetos menores que eu faço da edição pra frente até a finalização. Passei mais a fazer isso por dois motivos: o primeiro é que a demanda pro meu tipo de trabalho desapareceu do mapa, é exceção não é mais regra, eu digo contratar uma pessoa só pra isso aqui, considerando que a música baiana não vive mais seus anos dourados, então se o dinheiro retrai pros artistas daqui eu sou a cereja do bolo e eles não estão com dinheiro nem pro bolo, logo…. dai faço um pack pra viabilizar continuar trabalhando…mas msm assim o meu sustento vem de várias fontes de trabalho.

CONCLUSÃO

Q: Nós sabemos que edição não é uma corrida, porém você poderia dizer em quanto tempo edita uma música?

K: Depende do conteúdo, projeto, valor, tempo de edição, etc. Tudo depende do tamanho e do conteúdo do projeto. Se tiver percussão da bahia geralmente 8 a 10 horas, ou por hora sob demanda. O artista diz aonde quer que resolva o incômodo e eu vou lá e eu ajeito aonde for pedido.

Q: E pra fechar, todos sabemos que edição não é uma coisa muito divertida de se fazer, então gostaria de saber se você faz algo para não ser um processo maçante.

K: Quando eu tô editando, costumo ficar mudando de canal um pouco pra não ficar no mesmo. Contanto que eu acerte os parâmetros do grid relativo pra aquele groove soar orgânico… Junto com isso assisto Friends ou Seinfeld numa janela pequena ou no iPad.

Q: Obrigada Kesser por sua participação aqui na Quantize! Com certeza sua vivência e suas dicas tem realmente muito à acrescentar aos nossos leitores!

E aí, gostou da entrevista? Deixa um comentário pra gente saber o que achou 😁

Fiquem ligados no nosso canal no Youtube e no nosso Instagram para novos conteúdos!

E até a próxima!

Se você quer aprender mais sobre edição, confira o meu curso de edição de áudio Edição Ninja

Acredito que você vá gostar também desse post: O melhor curso de Produção Musical! Gratuito e em 30 dias

Conheça 10 livros que todo produtor musical deveria conhecer!

Compartilhe:

Marcações:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *